domingo, 15 de dezembro de 2019

Três corridas em câmera lenta (ficção / 2019)

Brasil, 1977. Ernesto Geisel fecha o Congresso para o pacote de abril. Pelé marca seu último gol. Clarice Lispector morre na véspera de seu aniversário em dezembro. Enquanto isso, 16.842 livros são confiscados em livrarias de todo o país. Mais difícil de estimar é quantas obras se deixaram de escrever. 

1977 é também o ano em que dois escritores vão parar na prisão. Um não sabe da existência do outro, mas suas narrativas se encontram em relatórios da polícia, em trocas de mensagens entre o Rio e São Paulo e sessões de tortura no DOI-CODI da Tijuca. Esse é o primeiro encontro entre os dois. 

Trinta anos se passam e suas narrativas se entrelaçam mais uma vez, dessa vez por ocasião de um funeral na Zona Oeste do Rio. Em meio a rancores, ressentimentos mal digeridos e desavenças de família, relatos desencontrados ressuscitam diferentes versões da vida do morto. 

"Três corridas em câmera lenta" é a história desse encontro de famílias: a história de uma história que ficou pela metade, de obscuros personagens à espera de um ponto final.

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© Araujo, Marcelo de. 2019. Três Corridas em Câmera Lenta. São Paulo: KPD, 2019, 31p. ISBN: 978-85-918597-2-6.
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Três Corridas em Câmera Lenta é uma narrativa de ficção. Mas não faltam verdades aqui. A começar pela primeira leitura de que me vali para a execução do projeto: os relatórios produzidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
A ditadura militar no Brasil terminou em 1985, mas tivemos de esperar trinta anos pelos relatórios sobre as violações de direitos humanos ocorridas nesse período. Os casos de violação do direito à liberdade de expressão são relatados no segundo volume dos trabalhos da CNV (Relatório: Textos Temáticos, vol. II, 2014). 
Quando o direito à liberdade de expressão é violado, não são apenas escritores e artistas que ficam sem voz, mas suas famílias também. Sem o direito à liberdade de expressão, fica difícil construir uma narrativa coerente sobre o que aconteceu com filhos e filhas, irmãos e irmãs, com esposas e maridos que desapareceram durante a ditadura. E não é só a narrativa de parentes que fica fragmentada. A própria estrutura das famílias é corroída também.
Duas obras me ajudaram a entender melhor a dinâmica de famílias fragmentadas: a tese de doutorado Irmãos, Meio-irmãos e Coirmãos. A Dinâmica das Relações Fraternas no Recasamento, de Adriana Leônidas de Oliveira (2005), e Old Loyalties, New Ties: Therapeutic Strategies with Stepfamilies, de Emily Visher e John Visher (1989).

Algumas obras de ficção ficavam latejando na minha cabeça enquanto eu escrevia o texto: Os Ratos, de Dyonélio Machado (1935); A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água, de Jorge Amado (1959); Alguma coisa urgentemente (1980), de João Gilberto Noll; Crônica de uma Morte Anunciada, de Gabriel García Márquez (1981); Homem Comum, de Philip Roth (2007); Passageiro do Fim do Dia, de Rubens Figueiredo (2010); K – Relato de uma Busca, de Bernardo Kucinski (2016). 

No arquivo online do jornal O Globo, eu pude encontrar várias reportagens de 1977 sobre eventos a que a narrativa se refere (por exemplo: O Globo, 02 de agosto de 1977; O Globo, 06 de agosto de 1977; O Globo, 23 de agosto de 1977).