quarta-feira, 20 de julho de 2016

A ética do aprimoramento humano: Um exame à luz do “homo prostheticus” do período entreguerras (resumo / 2016)

Uma ideia que temos das ciências da saúde é que elas têm por função proporcionar às pessoas um tratamento ou cura para diversas doenças. As ciências da saúde podem também desenvolver técnicas que permitam às pessoas recuperar, tanto quanto possível, capacidades físicas ou cognitivas perdidas em consequência de acidentes, doenças, ou em decorrência do avançar da idade. Mas, de modo geral, não temos a expectativa de que as ciências da saúde tenham também por função “aprimorar” nossas capacidades físicas e cognitivas. 

Por “aprimorar” se entende aqui a tentativa de não apenas reconduzir certas capacidades físicas e cognitivas a um nível considerado normal. “Aprimorar” – no debate bioético contemporâneo – consiste em elevar nosso rendimento, no exercício de certas capacidades físicas ou cognitivas, a um patamar superior àquele considerado normal. 

Afinal, uma coisa é dar Ritalina a uma criança diagnosticada com TDAH para que ela possa ter um bom rendimento escolar, outra coisa bem diferente é dar Ritalina a uma pessoa que não tem nenhum sinal de TDAH para que ela possa aumentar seu nível de concentração nos estudos e, assim, se preparar para concursos. Uma coisa é dar a uma pessoa que teve uma perna amputada uma prótese na expectativa de que ela possa, tanto quanto possível, voltar a caminhar normalmente, outra coisa bem diferente é amputar uma perna saudável para colocar no lugar uma prótese que nos permita correr mais do que poderíamos com uma perna normal. 

Meu objetivo aqui é investigar as origens do debate sobre “aprimoramento humano” numa discussão que se deu no início do século XX: a discussão sobre a criação e distribuição de próteses para os milhares de soldados que retornavam da Primeira Guerra Mundial com mãos, braços e pernas amputadas. No período entreguerras houve uma grande discussão sobre a produção em massa, e distribuição em larga escala, de próteses que permitissem aos ex-combatentes voltar à força de trabalho. A discussão sobre próteses passou a polarizar de tal modo o debate político e cultural dessa época que é possível mesmo falarmos do surgimento da figura do “homo prostheticus” durante esse período. Muitas pessoas viam o “homo prostheticus” como símbolo da desumanização do ser humano por meio da tecnologia. Outras viam no “homo prostheticus” mais do que um deficiente físico que teve suas capacidades físicas restabelecidas por meio de próteses sofisticadas. 

O “homo prostheticus” era visto por elas como uma espécie de “super-homem”, um indivíduo munido de capacidades superiores àquelas das pessoas normais. Como pretendo mostrar, é no contexto do debate sobre a figura do “homo prostheticus” que surge pela primeira vez a discussão sobre as consequências éticas e sociais de políticas para o “aprimoramento humano”. A discussão que pretendo apresentar aqui, no entanto, não é meramente histórica. Essa discussão – acredito – nos permite lidar com algumas importantes objeções que são contemporaneamente feitas ao aprimoramento humano.

[ resumo no site da ANPOF ]
[ programação completa do evento, 2016 ]

© Como citar este resumo: 
Araujo, Marcelo de. 2020. "A ética do aprimoramento humano: Um exame à luz do “homo prostheticus” do período entreguerras". In: XVII Encontro Nacional ANPOF (Aracaju, SE, 2016). São Paulo: ANPOF, 2016, p.66 e p. 318 (ISBN 978-85-88072-42-8).

Este trabalho foi aceito para apresentação, mas circunstâncias diversas me impediram de participar do evento.